Da redação – Há anos, o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental (LIM-05), da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), tem contribuído com diversos estudos sobre os efeitos da poluição do ar em diferentes doenças pulmonares. Desta vez, a pesquisa da bióloga Natália de Souza Xavier Costa avaliou, em camundongos, os efeitos do material particulado fino na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), nas fases mais tardias da inflamação, quando o tecido pulmonar está se recuperando. Os dados sugerem que a poluição compromete a resposta dos macrófagos e a ativação dos linfócitos, células de defesa do organismo, implicando um atraso na resolução da inflamação e prejuízo da recuperação e cicatrização da lesão pulmonar aguda.
O estudo foi realizado durante o mestrado de Natália, sob orientação do professor Luiz Fernando Ferraz da Silva, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que também financiou o projeto temático do qual a pesquisa faz parte. O trabalho foi selecionado para a chamada universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e um artigo foi publicado em setembro de 2020, na Scientific Report.
“Observamos que a exposição à poluição do ar atrasa a resolução da inflamação pulmonar, implicando o prejuízo da recuperação e cicatrização da lesão pulmonar.”
A pesquisadora conta que a SARA é caracterizada por um quadro de insuficiência respiratória aguda, ocasionada por dano difuso nos alvéolos (células dos pulmões onde ocorrem as trocas gasosas) e edema pulmonar com alto teor de proteínas. Ela pode ser desencadeada por diversos motivos como pneumonia, aspiração de conteúdo gástrico, pancreatite e até infecções bacterianas e virais, como a covid-19. Bem antes da pandemia, um estudo de 2016, ao analisar 50 países, mostrou que os casos de SARA representavam cerca de 10% das admissões em UTIs.
De acordo com o orientador da pesquisa, já se sabe os efeitos da poluição atmosférica nas doenças respiratórias. Entretanto, conta Ferraz, o trabalho mostra que esta exposição pode não apenas estar associada ao desenvolvimento, agudização e agravamento dos quadros, mas também interferir na melhora dos pacientes. “Assim, o efeito da poluição, modulando as respostas de cicatrização e imunológica, pode interferir no processo de recuperação dos pacientes”, destaca o professor ao Jornal da USP.
A bióloga Natália Costa conta que a recuperação da lesão pulmonar aguda envolve fases de resolução da inflamação e reparo, que podem levar até duas semanas. Entretanto, a maioria dos estudos é focada em curtos períodos após a lesão, de 24 a 48 horas. “O modelo utilizado no nosso estudo permite avaliar as etapas posteriores e pode ajudar a compreender como os fatores ambientais interagem com o momento tardio da doença”, diz.
Durante cinco semanas, um grupo de 16 camundongos foi exposto a material particulado fino (PM2,5), que tem diâmetro aerodinâmico menor ou igual a 2,5 micrômetros, com o auxílio do concentrador de partículas ambientais localizado na FMUSP. Segundo relatório mais recente de Qualidade do Ar da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), uma das principais fontes desse poluente são os processos de combustão, seja industrial ou de veículos automotores. Esse grupo e outros 16 animais, 24 horas antes da exposição, foram induzidos à lesão pulmonar por meio da nebulização de lipopolissacarídeos (LPS). Também foram avaliados outros dois grupos: o de animais saudáveis (controle) e os expostos apenas ao PM2,5, mas sem lesão.
Os LPS são proteínas presentes na membrana da maioria das bactérias Gram-negativas. Eles estimulam o sistema imunológico, induzindo à produção de mediadores inflamatórios e recrutamento de células inflamatórias, o que simula a resposta imune à infecção bacteriana.
Segundo a bióloga, a fase mais tardia do processo inflamatório causado pelo LPS é caracterizada pelo aumento de macrófagos e linfócitos no pulmão. Por meio da quantificação dessas células no tecido pulmonar e no baço desses animais — pela técnica de imuno-histoquímica, com marcadores específicos para esses tipos celulares — não foi observado aumento no grupo exposto à poluição atmosférica.
“Na resposta inflamatória dos camundongos expostos ao PM2,5 houve aumento dos macrófagos, mas não dos linfócitos”, explica. “A morfologia e remodelamento pulmonar também foram avaliados. A contagem de macrófagos e linfócitos, juntamente com a quantificação dos mediadores inflamatórios, sugere que a poluição do ar prejudica a resposta dessas células.”
Os resultados mostraram que os animais com SARA expostos ao PM2,5 tinham inflamação persistente caracterizada por níveis elevados de mediadores inflamatórios e contagem de macrófagos nos pulmões. Esses animais também apresentavam contagem de linfócitos no sangue, nos pulmões e no baço em níveis mais baixos em comparação aos que não tiveram contato com a poluição. “Observamos que a exposição à poluição do ar atrasa a resolução da inflamação pulmonar, implicando prejuízo da recuperação e cicatrização da lesão pulmonar”, afirma Natália ao Jornal da USP.