Por Jéssica Sillva | Instagram: @eujessicasillva
Meu nome é… Meu nome pode ser vários, mas nesse momento, pode me chamar de… Mãe! Respondo por ele agora. Eu sei que muitas vezes não escuto diretamente da boca de quem me fez assim, mas eu sei que me chama e sei que me ama. É estranho ver que idealizei um futuro e ver que cheguei onde sempre imaginei, porém sem, ainda, ter vivido tudo o que eu almejava para a minha filha.
Quando vejo alguém, ou alguma criança perguntando para a minha filha qual é o nome dela, é um misto de esperança e angústia. Achei que tivesse superado essa parte. Será que ela vai falar? Ela sabe qual é o nome dela, ela só não diz. Ela é não-verbal. E o quanto dói ouvir alguém perguntar e ela não responder. Até eu que sempre fui de falar, perco a voz. Como eu vou responder? Como tomar a frente e dizer: Ela não fala! É doloroso só de pensar e muito mais de falar. Mãe sabe o que o filho quer mesmo que ele não diga. Mãe sabe. O filho diz o quanto ama no toque, na procura por ajuda, no choro que só a mãe sabe cessar. Os filhos não-verbais, dizem muito sem dizer uma palavra.
Me lembro das vezes que eu perguntei o que ela queria, enquanto chorava, eu não entendia e ela não conseguia explicar. Quantas vezes chorei junto por não conseguir decifrar as tentativas de comunicação, por vezes desabei junto. Senti vergonha por não me sentir o suficiente. É estranho pensar que até nesses momentos de fraqueza, tive a coragem de me transformar, de ter um olhar diferente do que talvez, eu pudesse ter se não estivesse vivendo o que vivi até agora.
O mundo espera que as crianças falem, falem sem parar. Sejam tagarelas. O mundo tem sido cruel com o que não se encaixa. Toda mãe tem medo de morrer e não saber como os seus filhos ficarão. Toda mãe atípica sente o mesmo, mas o bônus que vem nos desespera por ver que a inclusão e a adaptação têm andado com passos lentos, e que a aplicação de regras e leis, em certa parte, tem sido cumpridas apenas para que não desembolsem valores para pagar multas. Seguem protocolos e exigências, mas não conseguem descaracterizar o antigo, o que “sempre foi assim”, para a realidade. Eu sei o quanto o mundo não está preparado para a minha filha que guardei embaixo da minha asa para protegê-la de quem não está pronto para acolher.
A minha criança não fala, mas ela consegue dizer muita coisa, do jeitinho dela. Quem vê a minha filha, diz que é mentira. É sempre bom ressaltar que, parafraseando o Dr. Thiago Castro: “O Autismo não é o problema. A desinformação, sim”. Eu já falei que mães atípicas se tornam estudiosas sobre a causa? A causa e os tratamentos estão em constante atualizações, e nós, sempre atentas. A minha filha não tem fala funcional, e isso quer dizer que ela não consegue se comunicar, não consegue formular frases. Quando estudamos marcos de desenvolvimento, é esperado que uma criança de 3 anos fale cerca de 300 palavras ou mais, e que consiga formular uma frase com até 5 palavras. E não é o que acontece aqui. Eu entendo o que ela quer, mas quem não convive com ela não vai entender. Até a minha rede de apoio tem dificuldades de compreensão do que ela diz. Mas te confesso que avançamos muito com um pouco mais de 10 meses de intervenções. Estou orgulhosa do meu time. Ela, eu e minha rede de apoio.
Talvez você, que responde pelo nome de Mãe, espere ouvir muito mais do que ouve hoje, mas saiba que você é ouvida. E se o que eu escrevo aqui, te ajudar, mentalize: Aqui dentro, sei quem sou, qual o tesouro me mantém firme assim. Que eu seja a voz no mundo de quem ainda não pode respondê-lo.
Sempre tão sensata… parabéns amiga pela mãe que é, pelos textos que não são textos, são fatos de uma vida que pode não ser fácil, mas com certeza é de muito amor por aquela que muitos acham que não sabe o que acontece, mas que os olhos dizem tudo… Um orgulho gigante de vc!!!
Essa sua atitude está encarando muitas mães parabéns
A sociedade cobra, e cobra muito, especialmente das nossas crianças. Espera-se que sejam comunicativos, extrovertidos e que sigam padrões pré-estabelecidos. Mas, como bem revelado por você, o mundo ainda não está preparado para acolher as crianças que fogem desses moldes. Mais do que isso, as mães atípicas, como tantas outras, vivem diariamente o dilema de proteger seus filhos e enfrentar um sistema que avança lentamente no que diz respeito à inclusão real. Muitas vezes, as leis e normas existem apenas no papel, sem uma aplicação verdadeira no cotidiano. Isso deixa as mães, especialmente as atípicas, com a difícil tarefa de lutar não apenas por seus filhos, mas também contra um sistema que ainda mantém práticas de exclusão. O medo que descreve é compartilhado por muitas de nós, mães, independentemente das particularidades de nossos filhos. Esse temor de “não estar aqui” para cuidar deles é real e universal. No entanto, quando falamos de mães atípicas, esse medo se soma à angústia de ver uma sociedade que aplica leis e protocolos mais por obrigações do que por real compromisso com a inclusão e o bem-estar das nossas crianças. Isso gera uma sensação de desamparo, pois, apesar das normas existentes, falta um engajamento genuíno em transformar o ambiente social para acolher a diversidade. Para as mães atípicas, a luta não é apenas pela proteção de seus filhos, mas também por uma sociedade que realmente abraça e valoriza as diferenças. Como mãe, também conheço o sentimento de querer proteger. Sabemos que o mundo, tal como é hoje, está longe de ser o ideal, mas isso não nos impede de lutar, de procurar criar espaços onde nossos filhos possam ser acolhidos e aceitos como são. E, se por um lado a sociedade ainda precisa avançar muito, por outro, a união entre mães é uma das maiores forças para provocar essas mudanças. Sei que você está fazendo o melhor que pode, assim como tantas outras mães, atípicas ou não. E, juntas, continuamos a nos apoiar, a desafiar o “sempre foi assim” e a buscar um mundo mais inclusivo para todos os nossos filhos. Pode ser um caminho longo, mas cada passo que damos é um avanço significativo. Cada desafio que superamos, cada voz que levantamos, aproxima-nos de um futuro em que a inclusão não seja apenas uma distância ideal, mas uma realidade concreta e presente, vivenciada por todas as famílias. Nossos esforços pavimentam o caminho para um mundo mais justo, onde cada criança, independentemente de suas particularidades, seja plenamente acolhida e respeitada. A você, e a todas as mães que enfrentam essa luta, meu respeito e apoio. Nós somos mais fortes do que qualquer sistema lento, e nossos filhos merecem um futuro em que possam florescer, sem medo de serem quem são, sem precisar se adaptar a expectativas que não refletem suas verdadeiras essências. Que eles possam crescer num mundo onde a diferença seja celebrada e o acolhimento seja a regra, não a exceção. Um beijo!
Este texto me comove de muitas maneiras. Embora cada pessoa autista tenha suas individualidades, algumas vivências são bastante semelhantes.
É reconfortante saber que contamos umas com as outras e com lições como esta, que nos lembram que nossa trajetória é cheia de desafios, mas ainda há muito por trilhar.
Que com a graça de Deus, nós e nossos filhos possamos receber bênçãos infinitas a cada dia!
Parabéns, amo vocês!