Terça-feira, Junho 3, 2025
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Posso me sentar?

Por Jéssica Sillva | Instagram: @eujessicasillva

Estou sentada de frente para o computador e tentando raciocinar e escrever sobre o que assistimos na última semana. Comprometi-me a escrever sobre o Autismo na minha visão, a visão da mãe. O episódio em que uma mulher se recusa a ceder o lugar na janela para uma criança que estava chorando, trouxe fama para uma e acusações para a outra. Mas o que mais vi em comentários, são as pessoas que questionavam se a criança em questão era autista. E se fosse? Você cederia o lugar?

Na minha visão, quando eu falo sobre a sociedade aceitar a condição da minha filha, eu não quero que a liberdade dela exceda o seu direito do não. Ela precisa aprender a lidar com isso. Seja por mim ou pelos outros. Já até contei aqui que ela trabalha as frustrações nas terapias.  Trabalho isso em casa também, todo dia. Ela não pode tudo, e não terá tudo, mas terá limites. O que precisamos deixar claro é que nem tudo é crise, eu estou falando de uma criança, que por mais que a sua condição intensifique na resposta do não, é preciso entender que ela, minha filha, é importante para mim, eu estou aqui para o que ela precisar, mas lá fora nem sempre alguém vai fazer isso por ela.

É difícil para mim, e bem cansativo também, entender o que é birra e o que é crise, nem sempre é tão óbvio assim. A criança no avião, estava com birra? Era autista e estava em crise? Pelo pouco que li sobre o caso, em nenhuma matéria dizia que ele tinha TEA. Imagina só o que a mãe atípica passa nesses momentos com o filho? Nessa situação não é fácil descobrir se acalmo ou chamo a atenção. O que eu digo agora? Que ela não terá o que quer, ou que vai ter que comer porquê faz bem para saúde. “Não, você não pode se bater. Não pode me bater também. Por que está gritando?”. Esse é só um exemplo de um dia normal, pelo menos para mim. Não sei se é birra, ou mais uma crise que não descobri o gatilho, mas o “Não”, ela vai ouvir.

O meu trabalho em ensinar, me traz incertezas e até um pouco de medo de como ela reagirá diante da janela negada, e que eu compreendo perfeitamente, porquê outros terão direito de não cedê-la. Vejo isso até como uma visão bem evoluída, já que nunca criei uma filha, ainda mais uma filha com TEA. Porém a criação que tive teve muitos nãos, até porquê nem sempre foi possível ter a janela que eu queria, e não era no grito que eu ia conseguir. Meus pais tiveram muitas janelas fechadas, mas nunca desistiram de proteger o nosso assento. Foi possível ver, mesmo que de longe, uma fresta da janela, e de lá, meu pai e minha mãe me ensinaram que mesmo com o não, um dia terei uma janela só pra mim. E assim eu vou apresentar a minha filha. Um dia, daquela janela, ela vai entender os nãos que já recebeu.  

O importante de falar o não, é fazer entender que nem sempre ela terá uma janela disponível para se sentar. E nem sempre terá alguém para ceder isso a ela. Falo sobre janelas e também de inúmeras vontades que possam depender de outras pessoas, para que a vontade dela seja feita. É doído dizer, mas ela não terá tudo dos outros. Meu trabalho aqui, é fazer com que ela consiga tudo, sem depender do sim de terceiros. Faço um enorme esforço todo dia, para que ela tenha a sua própria janela, e possa ver que o sol também brilhará para ela, através de qualquer lugar que ela queira estar.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Bom dia e parabéns pela sabedoria!
    A situação é muito difícil, cada pessoa tem seu jeito, a sua educação e a sua humildade. Eu sinceramente não sei o que faria nesta situação, acho que dependeria muito conforme a mãe da criança me pedisse. Mas você falou tudo, hoje os Pais não sabem impor limites e explicar o significado da palavra não, para entenderem que não podem ter tudo e que isso faz parte da sua boa educação. Assim não criamos Crianças ou Pessoas Egôcentricas, Mimadas e que acham que podem tudo!

  2. Super importante essa reflexão que traz a tona os conflitos e os esforços necessários na relação entre pais e seus filhos . Parabéns pela sensibilidade e obrigada por nos ajudar a repensar nosso papel enquanto mães e pais .

  3. Texto excelente, mães e pais precisam não só falar os “Nãos” quando necessários como preparar seus filhos para os “Nãos” que a sociedade os apresentará. E ainda os ensinar a buscar suas janelas, por merecimento. Parece que as duas últimas gerações andou se perdendo nesse quesito.

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