Você já esteve do outro lado da mesa?

TAL MÃE TEA FILHA últimas

Por Jéssica Sillva | Instagram: @eujessicasillva

Do lado de cá, vejo o quanto eu tenho poder. Do lado de lá, eles me olham como alguém de poder. Não é soberba, é fato. Este poder que falo, nem sempre é o que você acha que eu tenho, ou eu acho que você tenha. Quem trabalha nas áreas que nós mesmos frequentamos, podemos experimentar sensações de resolução e espera. Por vezes é solucionado os problemas, e por outras, esperamos que resolvam. Meu poder está em me colocar no lugar de quem me procura. Posso não ter o poder de resolver o problema que tanto te aflige, mas vou te ouvir, te abraçar e te acalmar. Às vezes você só precisa ser ouvida, já que ninguém tem mais tempo para isso. Quando me procuram, querem uma solução, ou que eu seja a solução. Quando sou eu do outro lado da mesa, tenho a mesma sensação.

Quando eu fui trabalhar com o social, nunca imaginei que me identificaria tanto com a área. Atendo famílias, mães atípicas, e por incrível que pareça, só descubro do meio para o final da conversa que se trata de alguém com a realidade tão igual a minha. Mães me procuram por ver ali alguém que vai destrinchar os seus maiores problemas, mas descobrimos que vai além disso. Ela só quer ser ouvida. Quantas histórias pude ouvir estando deste lado da mesa? Quantas vidas pude impactar por estar apenas do lado de cá? Poderia até escrever um livro.

Você precisa saber que por vezes estará daquele lado da mesa, e que alguém fará isso por você. É o poder que você tem na mão. Você se coloca no lugar daquela que te procura? Em uma conversa que tive com uma prima, que também é mãe atípica e psicóloga, ela me mostrou o quanto é difícil estar do lado que tem o poder. Ela precisava entregar uma devolutiva de um paciente, e se sentiu no lugar da mãe que a ouvia. “Quantas vezes estive naquela mesma situação, Jéssica?”, ela me disse no final do áudio. Ela teve o cuidado de entregar aquela mãe toda avaliação que fez do seu filho, enquanto se questionava sobre os pensamentos e dúvidas que teve, e ainda tem, a cada devolutiva de um terapeuta do seu próprio filho.

Além do que vivemos, enfrentamos e trabalhamos, temos um cuidado de não passar todo o desespero da minha realidade para quem me ouve. Não é romantizar o Autismo e as outras coisas, é te mostrar que apesar de tudo, você tem um ótimo motivo para continuar. Eu sei que todo dia um novo problema aparece e você está sentada, concentrada tentando resolver o problema da semana passada, que se misturou com os de ontem. Mas calma! Eu estou aqui para te ouvir. Eu deveria me ouvir mais vezes. Eu queria que você me ouvisse também, já que as vezes estou do outro lado, e muitas das vezes, do seu lado. Digo isso todo santo dia.

A cada frase dita na conversa, vejo na minha frente um filme passar, só que com personagens diferentes. É engraçado como vivemos vidas parecidas e nem imaginávamos que isso seria possível. O mesmo roteiro, a mesma rotina, as mesmas batalhas diárias. Como não se colocar no lugar daquela que me procura? Como não se sensibilizar com aquele pedido de ajuda, sendo que é bem capaz que eu esteja do outro lado da mesa amanhã? Eu sei que não posso mudar o mundo, mas se eu puder ouvir só mais um, talvez eu mude o mundo de quem me procura. Vou deixar os meus problemas um pouco de lado, entrar com o pé direito, e pedir para o próximo entrar. E às vezes, eu sou o próximo.

Aprendi aqui, que o tempo é valioso, mas que não preciso ter pressa. Mentalizo a cada atendimento sobre o tempo, o tempo valioso “do agora”, preciso me colocar no lugar dela “agora”, e ver com os olhos dela. Quem me procura tem pressa, mas eu que estou do lado de cá, eu também tenho pressa. Quase sempre. As vezes tenho pressa, mas é porque eu tenho um objetivo, é a pressa de alcançá-lo. Quem nunca experimentou estar dos dois lados da mesa, não saberia se colocar no lugar do outro, de quem procura. Eu tive essa sorte de vivenciar os dois lados, isso me fez mais empática, bem mais do que eu sempre fui. E talvez falte isso no mundo, de quem só esteve de um lado da mesa. É sentir um pouco mais de estar do outro lado. Isso transformaria o mundo. Sozinha, eu não consigo.
Que as pessoas possam sentir mais o lado de quem procura, do que do poder. Assim poderão usar o poder do jeito certo quando encontrarem alguém que procura

1 thought on “Você já esteve do outro lado da mesa?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *